Faltando apenas um mês para a minha viagem à África do Sul, realizada em fevereiro de 2018, foi que eu fiquei sabendo dos sérios problemas de abastecimento d’água que a Cidade do Cabo vinha e vem enfrentando. Adiar ou cancelar a viagem àquela altura não dava mais. Primeiro, porque a passagem aérea já estava paga e como foi comprada com tarifa promocional, não permitia reembolso.
Segundo, a vontade de viajar e conhecer o país era tanta, que não me importei com o que lia ou escutava no noticiário internacional.
Até porque, mesmo diante dos baixos índices dos reservatórios de água da cidade, dada à falta de chuva, o governo sul-africano não estava desestimulando a ida de turistas, apenas informando sobre as medidas de contenção.
O fato é que, para muita gente, viajar para um lugar apontado como a primeira metrópole do mundo a vir a ficar sem água poderia ser um problema. No entanto, para mim não era, e encarei o fato como mais uma experiência de vida e aprendizado.
Caso você não tenha conhecimento, as autoridades da África do Sul haviam estimado para 18 de abril desse ano o que eles estavam chamando de “Day Zero” (Dia Zero).
Esta é uma data hipotética na qual o nível dos reservatórios ficaria abaixo de 13,5%. Com isso, o fornecimento de água na Cidade do Cabo seria quase que totalmente interrompido.
Na prática, a grande maioria das torneiras seria fechada e os moradores teriam que realizar a coleta em apenas 200 pontos espalhados pela cidade.
Felizmente, com o nível dos reservatórios aumentando em outros lugares da África do Sul e o sucesso das medidas de racionamento, o governo anunciou o adiamento para 2019.
Mas o engajamento para economizar água continua e os moradores, realmente, não podem baixar a guarda!
O fato é que para quem está longe, notícias negativas como esta fazem a realidade de um lugar parecer muito pior do que é. Por isso, eu resolvi escrever esse post tentando mostrar como foi viver e sentir o problema na pele.
Uma espécie de reflexão e alerta para as consequências provocadas pelas mudanças climáticas no nosso cotidiano e os efeitos do poder de destruição que o homem tem tido sobre o planeta.
Como viajante consciente que sou, eu não poderia jamais ter passado pela Cidade do Cabo sem dar essa contribuição.
Acredite: somos felizardos e devemos agradecer a Deus todos os dias por ainda termos água em abundância, um bem tão essencial à vida e que jamais deve ser desperdiçado.
Do jeito como a coisa anda, nenhum país ou cidade estará livre desse risco se não nos precavermos.
A vida na cidade do Cabo com a crise de água
O nível dos reservatórios está, de fato, bem baixo. A Prefeitura é enfática ao afirmar que é preciso limitar o consumo diário a 50 litros por pessoa para evitar medidas mais drásticas.
Felizmente boa parte da população está engajada e, segundo observei, tem sido possível se adaptar a esse dia a dia de economia de água. na Cidade do Cabo.
Engajamento da população pedindo para as pessoas economizarem água Fotos: Anchieta Dantas Jr./Blog Andarilho
É fato que os moradores têm receio de que os turistas abusem do consumo de água, embora os órgãos de Turismo garantam que a presença dos viajantes não represente perigo.
Além disso, todos os visitantes são informados da situação e encorajados a “economizar água como os locais”.
Cartaz alertando sobre o problema da falta d’água na cidade e pedindo para todos serem conscientes no seu uso
“Cada gota conta”
Essas mesmas entidades pedem ainda que os turistas não mudem seus planos de viajar à África do Sul, ressaltando a importância do Turismo para a economia local.
E embora o temido “Dia Zero”, tenha sido descartado por enquanto, quem estiver indo para lá é bom que saiba que as medidas que promovem o consumo inteligente de água foram mantidas e todos devem cooperar.
Tomando banho durante a crise da água
É claro que não se trata de uma situação fácil e ela exige mudanças na rotina. Contudo, não é o fim do mundo.
Para nós, brasileiros, acostumados a tomar vários banhos por dia, uma vez na Cidade do Cabo, o hábito precisa ser revisto.
Seguindo as recomendações de consumo de 50 litros diários, somos orientados a tomar apenas um banho por dia, e com duração aproximada de dois minutos.
Cartaz no chuveiro pedindo para que o banho seja de no máximo 2 minutos
Confesso que não consegui atingir essa meta no meu primeiro banho na cidade. Mas tratei logo de cronometrar e rapidamente me adaptei.
E como era verão e eu transpirava muito durante o dia, deixei para tomar o meu banho diário sempre à noite, desligando o chuveiro ao me ensaboar para não estragar água.
Água para beber
Embora na Cidade do Cabo a água da torneira seja potável, obviamente que para cumprir o consumo de 50 litros diários por pessoa, beber água da torneira é impraticável.
A água para beber tem que ser a mineral, e nem sempre achamos garrafas em abundância em todos os supermercados. Por vezes, só encontramos nas prateleiras garrafas de água mineral com gás ou em embalagens superiores a dois litros.
Apesar disso, eu não observei nenhum limite para clientes comprarem água e nem abuso de preços diante do aumento da demanda por água mineral. Nenhum comerciante está se aproveitando da situação para lucrar mais.
Reaproveitamento
A necessidade de economizar água na Cidade do Cabo não significa que a casa não deva ser limpa e nem as plantas e jardins devam morrer ressecados.
Para que isto não aconteça, a população está armazenando a água que cai do chuveiro durante o banho e utilizando para essas tarefas.
Onde eu fiquei hospedado, por exemplo, havia sempre um balde de plástico no box nessa intenção, a fim de que nada fosse desperdiçado e assim reaproveitado.
Uso do sanitário
Outra coisa que muda nessa situação é em relação às nossas necessidades fisiológicas.
Em caso de ir ao banheiro fazer xixi, nada de descarga. A ideia é deixar acumular e só usar a descarga uma ou duas vezes ao dia.
Até tomar conhecimento dessa medida, eu achava estranho entrar no banheiro e me deparar com aquela cena. Mas a consciência e o risco de ficar sem água sempre falam mais alto.
Quando for em outro caso, se é que você me entende, costuma-se acionar a descarga, por conta do cheiro, ou preferencialmente aproveitar os baldes da reserva de água colhida no banho.
Em locais públicos
Quem decide comer fora na Cidade do Cabo também sente os efeitos da crise hídrica.
Muitos restaurantes não oferecem mais a “tap water”, ou a água potável de torneira. Temos que pedir água mineral.
Alguns bares e restaurantes mantém apenas uma torneira funcionando nos banheiros ou a descarga é desligada.
“Se você realmente precisa usar água, procure a torneira marcada e use moderadamente. Cada gota conta”
Nem mesmo o complexo turístico V&A Waterfront, atração mais visitada do país, está alheio a toda essa situação.
Os estabelecimentos ali existentes só deixam uma torneira funcionando em cada banheiro e priorizam o uso de álcool em gel ou outro tipo de higienizador líquido para limpar as mãos.
Como acompanhar a questão da água na Cidade do Cabo
Entre as fontes de informação fundamentais para a crise da água na Cidade do Cabo, o perfil no Twitter da South African Tourism, traz novidades sobre as iniciativas que o setor do Turismo vem tomando para lidar com a crise.
Eventualmente, nas redes sociais da Prefeitura da Cidade do Cabo há posts com alguma informação.
Não deixe também de ver as notícias que saem na imprensa, consultar os meios de hospedagem sobre a situação naquele momento e conversar com quem acabou de chegar.
Devo ir ou não á Cidade do Cabo?
Mesmo em meio a todo esse problema, eu adorei a cidade e, havendo chance, voltaria pra lá correndo.
Para quem tem viagem marcada, eu diria que não cancele seus planos por conta das medidas de economia de água. A não ser que o Dia Zero realmente chegue, aí convém avaliar.
De qualquer forma, a falta de turistas causaria um estrago bem significativo na economia local.
Além disso, eu confesso que não passei nenhum perrengue enquanto lá estive. Tomei banho todos os dias, tentando seguir as regras, assim como não me deparei com a falta de água mineral em restaurantes e supermercados.
Portanto, vá, aproveite, divirta-se, mas, por favor, tenha a consciência de que quatro milhões de pessoas (população da cidade) precisam da água. Portanto, mantenha-se dentro dos 50 litros diários de consumo.
Não haja seguindo a linha “eu não sou daqui e não vim para ficar” e por conta disso vir a prejudicar milhões de pessoas. Lembre-se: ninguém está livre dos efeitos do clima!
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